domingo, 20 de março de 2022

Usar a palavra "mulambo" é racismo? - site LANCE


 

Usar a palavra 'mulambo' é racismo? LANCE! (site esportivo) conversa com historiadores e busca o significado

L! falou com André Garone, jornalista e autor de livros sobre a história do Vasco; e com o historiador e ativista David Gomes, consultor oficial do Vasco sobre questões raciais/Vasco

Matheus Andrade e Ricardo Guimarães - 19/03/2022

O termo “mulambo” é historicamente usado por torcidas de Vasco, Fluminense e Botafogo para "inferiorizar" o arquirrival Flamengo, apesar de um contexto de preconceito racial que remete aos tempos da escravidão. O significado ainda é desconhecido por parte do público e gera debate nos dias atuais.

O assunto voltou aos holofotes após o rapper Djonga pedir desculpa por usar a palavra em referência ao clube rubro-negro e, logo depois, por causa do clássico entre Vasco e Flamengo, na semifinal do Cariocão, que tem seu jogo de volta marcado para este domingo 

LANCE! conversou com dois historiadores especializados em Vasco que concordam que o termo precisa ser revisto pela torcida cruz-maltina. O cântico virou assunto nas redes sociais nestas últimas semanas e trouxe a público o questionamento do significado do termo. De acordo com o dicionário, o vocábulo "molambo" significa: pedaço de pano velho, roto e sujo, roupa esfarrapada. Segundo a especialista Monique Cassiano, mestre em estudos da linguagem pela PUC-RIO, o termo deriva de um pensamento preconceituoso com os povos pobres e negros escravizados.

- Com uma pesquisa um pouco mais apurada, é possível descobrir que “molambo” inseriu-se em nosso vocabulário por meio dos negros escravizados, pois dava nome ao pano que algumas tribos africanas amarravam à cintura. Com o passar do tempo, o termo foi tomando a forma depreciativa e de insulto e passou a ser usado como um adjetivo para caracterizar alguém sujo ou mal arrumado. Com base nos conhecimentos e debates da formação e das dinâmicas raciais da sociedade brasileira, é possível afirmar a relação do uso atual do termo com o fato dele originalmente se referir a uma vestimenta que era uma marca cultural de povos africanos. Com isso, a palavra “molambo” permanece nos dias de hoje com a denotação negativa e de xingamento por conta de suas bases históricas e aos povos aos quais ela remete - explicou a educadora.

A polêmica do termo
Por meio do Twitter, o influencer vascaíno Wallace Neguere contestou o uso de um dos cantos cruz-maltinos que chama os torcedores do Flamengo de "mulambos". A manifestação foi uma maneira de dar um basta no ato:

- Eu não uso mais o termo mulambo, convencido de ser uma palavra racista e nem canto mais as músicas que tem cunho machista e homofóbico, independente da época que ela foi criada. Já chegou a hora da gente se posicionar - escreveu Neguere.

A música em questão é uma paródia do cântico dos argentinos na Copa de 2014, “Brasil, decime qué se siente” . A adaptação feita pelos vascaínos e entoada por outros torcedores rivais tem o termo no seu título: “Mulambo, me diz como se sente”. A letra faz menção ao fato do time não ter estádio. Contudo, houve progressões e também a utilização do termo em outras canções dos torcedores do Vasco.

Wallace continua sua explicação sobre a revisão do termo nas torcidas organizadas do clube:

"Eu gostaria de levantar uma questão muito importante para as torcidas organizadas. Será que já não estaria na hora de rever alguns cânticos? Existe um momento diferente hoje na nossa sociedade, que não podemos tratar como fato isolado. Ex: Racismo, homofobia, Machismo e Xenofobia."

Em dois dos seus comentários, Neguere explicou o seu novo posicionamento sobre o assunto:

- Tenho que passar exemplo para meus filhos, se eu luto contra o racismo não posso ser conivente com isso. A mudança tem que começar por mim. Em uma conversa com algumas pessoas. Abre espaço para interpretação, irmão. Isso continua não sendo um termo pejorativo, porém, discriminatório pela forma de se vestir. Por via das dúvidas, é melhor parar - afirmou o influencer.

A atenção ao uso do termo também partiu de torcedores de outras equipes, como do próprio Flamengo. Também pelo Twitter, o flamenguista Antonio Tabet, o "Kibe Loco", humorista do "Porta dos Fundos", tentou explicar aos seus seguidores a origem do termo.

'"Mulambo”, pra quem não sabe, era como os Senhores de Engenho se referiam aos escravos angolanos. Racismo encruado travestido de rivalidade esportiva ainda é racismo" - disse o humorista.

Apesar do posicionamento, o debate acabou longo. Nos comentários de Neguere e Kibe Loco, muitas pessoas discordavam da origem etimológica do termo, dizendo que ele apenas reforça o sentido de que o flamenguista "se veste mal" como forma de ironizar o uniforme do adversário.

É necessário mudar

Jornalista do LANCE!, especializado em Vasco e autor dos livros sobre o clube "1898 em diante" e "Da Queda ao Bi", André Garone falou sobre a necessidade de rever o cântico: 
"A sociedade vem passando por mudanças significativas no combate a discriminação. E o futebol nada mais é um que um reflexo dela. Então, ofensas que antes eram consideradas apenas gritos de torcida, hoje são entendidas como racismo ou homofobia, o que é crime" - ressalta o jornalista.

As coisas podem mudar ?

"Infelizmente não será do dia para a noite que isso mudará, exatamente por estar enraizado na sociedade e na cultura da arquibancada, mas é o início de um processo que afetará principalmente as próximas gerações de torcedores. E de maneira positiva" - destaca.

Acha que este movimento nas redes é parte dessa mudança ?


"O movimento reafirma o posicionamento de inclusão que sempre marcou a história do clube e de sua torcida. Toda mudança tem, inicialmente, também uma rejeição natural, mas que com o tempo se dissolve. Não é nem uma questão de clube, mas, sim, da sociedade como um todo. É um movimento que todos deveriam aderir, independente de clube que torcem" - explica.

Acabar com o cântico enfraquece a rivalidade?

"Não é acabar com a rivalidade, com a disputa de torcidas, mas, sim, com o preconceito e a discriminação" - finalizou André.

Contradição contra a sua própria história

Também em entrevista ao LANCE!, o historiador e ativista David Gomes, que é consultor oficial do Vasco sobre questões raciais e responsabilidade social, deu sua opinião sobre o assunto.

"(Começou) muito tarde (sobre o movimento contra o cântico). Sou a favor de parar. Um clube com a história do Vasco de combate ao racismo não pode compactuar com esse tipo de ofensa racista" - destacou David.
"Quem é a favor da continuidade desse xingamento utiliza como argumento o significado duro da palavra no dicionário, mas sabemos bem que a linguagem vai além do que tá no dicionário" - alertou.
David usa a música "Camisas Negras",  onde é dito que o Vasco já lutou por negros e operários, lutou contra o racismo, como um comparativo ao cântico, ressaltando a incoerência de parte da torcida.

Porque este movimento é necessário?

"Isso (o termo racista) começou a incomodar alguns torcedores negros de esquerda do Vasco, que acharam que é uma contradição. A gente canta camisas negras, né, que fala da história antirracista do Vasco institucional e depois chama os caras de mulambo?"

No último dia 16, o Tribunal de Justiça Desportiva instaurou um inquérito após os "cantos discriminatórios" feitos pela torcida do Vasco da Gama, no clássico contra o Flamengo, pela primeira fase do Campeonato Carioca. Em caso de punição, a torcida e o Vasco podem ser penalizados em até cinco jogos.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Potuguês não é para amadores - autor desconhecido

 


Um poeta escreveu:

"Entre doidos e doídos, prefiro não acentuar".

Às vezes, não acentuar parece mesmo a solução.

Eu, por exemplo, prefiro a carne ao carnê.

Assim como, obviamente, prefiro o coco ao cocô.

No entanto, nem sempre a ausência do acento é favorável...

Pense no cágado, por exemplo, o ser vivo mais afetado quando alguém pensa que o acento é mera decoração.

E há outros casos, claro!

Eu não me medico, eu vou ao médico.

Quem baba não é a babá.

Você precisa ir à secretaria para falar com a secretária.

Será que a romã é de Roma?

Seus pais vêm do mesmo país?

A diferença na palavra é um acento; assento não tem acento.

Assento é embaixo, acento é em cima.

Embaixo é junto e em cima separado.

Seria maio o mês mais apropriado para colocar um maiô?

Quem sabe mais entre a sábia e o sabiá?

O que tem a pele do Pelé?

O que há em comum entre o camelo e o camelô?

O que será que a fábrica fabrica?

E tudo que se musica vira música?

Será melhor lidar com as adversidades da conjunção ”mas” ou com as más pessoas?

Será que tudo que eu valido se torna válido?

E entre o amem e o amém, que tal os dois?

Na sexta comprei uma cesta logo após a sesta.

É a primeira vez que tu não o vês.

Vão tachar de ladrão se taxar muito alto a taxa da tacha.

Asso um cervo na panela de aço que será servido pelo servo.

Por tanto nevoeiro, portanto, a cerração impediu a serração.

Para começar o concerto tiveram que fazer um conserto.

Ao empossar, permitiu-se à esposa empoçar o palanque de lágrimas.

Uma mulher vivida é sempre mais vívida, profetiza a profetisa.

Calça, você bota; bota, você calça.

Oxítona é proparoxítona.

Na dúvida, com um pouquinho de contexto, garanto que o público entenda aquilo que publico.

E paro por aqui, pois esta lista já está longa.

Realmente, português não é para amador!

Se você foi capaz de ENTENDER TUDO, parabéns!!! Seu português está muito bom!

Não conheço o autor, mas o texto é excelente para trabalhar a importância da acentuação, parônimos e homônimos.

domingo, 19 de setembro de 2021

O R no português do Brasil - Renato Mendonça

O R caipira do interior de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina deve-se ao fato de que os indígenas que aqui moravam não conseguiam falar o R dos portugueses, não havia o som da letra R em muitos dos mais de 1200 idiomas que falavam aqui.

Então na tentativa de se pronunciar o R, acabou-se criando essa jabuticaba brasileira, que não existe em Portugal.

A isso também se deve o fato de muitas pessoas até hoje em dia trocarem L por R, como em farta (falta), frecha (flecha) e firme (filme).

Com a chegada de mais de 1,5 milhão de italianos à capital de São Paulo o sotaque do paulistano incorporou o R vibrante atrás dos dentes, porta como "porita", e em alguns casos até incorporando mais Rs do que existem: carro como "caRRRo", se quem fala for da Mooca, Brás e Bexiga, bairros paulistanos com bastante influência italiana.

O R falado no Rio de Janeiro deve-se ao fato de que quando a corte portuguesa pisou aqui, a moda era falar o R como dos franceses, saindo do fundo da garganta, como em roquêfoRRRRt, paRRRRRi. 

A elite carioca tratou de copiar a nobreza, e assim, na contramão do R caipira e 100% brasileiro, o Rio importou seu som de R dos franceses.

Do mesmo modo a corte portuguesa trouxe o S chiado dos cariocas, sendo hoje o Rio o lugar que mais se chia no Brasil, 97% dos cariocas chiam no meio das palavras e 94% chiam no final. 

Belém do Pará ocupa o segundo lugar e Florianópolis em terceiro.

As regiões Norte e Sul receberam a partir do século 17 imigrantes dos Açores e ilha da Madeira, lugares onde o S também vira SH. 

Viviam mais de 15 mil portugueses no Pará, quarta maior população portuguesa no Brasil à época, o que fez os paraenses também incorporarem o S chiado.

Já Porto Alegre misturava indígenas, portugueses, espanhóis e depois alemães e italianos, toda essa mistura resultou num sotaque sem chiamento.

Curitiba recebeu muitos ucranianos e poloneses, a falta de vogais nos idiomas desses povos acabou estimulando uma pronúncia mais pausada de vogais como o E, para que se fizessem entender, dando origem ao folclórico "leitE quentE".

Em Cuiabá e outras cidades do interior do Mato Grosso preservou-se o sotaque de Cabral, não sendo incomum os moradores falando de um "djeito diferentE". 

Os portugueses que se instalaram ali vieram do norte de Portugal e inseriam T antes de CH e D antes de J. 

E até "hodje os cuiabanos tchamam feijão de fedjão".

Junto com os 800 mil escravos também foram trazidos seus falares, e sua influência que perdura até hoje em se comer o R no final das palavras: Salvadô, amô, calô e a destruição de vogal em ditongos: lavôra, chêro, bêjo, pôco, que aparece em muitos dialetos africanos.

A falta de plurais, o uso do gerúndio sem falar o D (andano, fazeno), a ligação de fonemas em som de z (ozóio, foi simbora) e a simplificação da terceira pessoa do plural (disséro, cantaro) também são heranças africanas.

(Do livro "Mapa Linguístico do Brasil" de Renato Mendonça e da Revista Superinteressante)

sábado, 14 de agosto de 2021

Por que na Ásia o nome de vários países termina em -ISTÃO?


 Por que na Ásia o nome de vários países termina em “-istão”? Porque nas línguas mais faladas nessa região do mundo, como o hindi, o persa e o quirguiz, “-istão” quer dizer “lugar de morada” de um determinado povo ou etnia. De acordo com esse princípio, Cazaquistão, por exemplo, significa “território dos cazaques”; Quirguistão, “território dos quirguizes”; Afeganistão, “território dos afegãos” e assim por diante.

É algo equivalente a adicionar os sufixos “-lândia” (que vem de land, “terra”, nas línguas germânicas) ou “-polis” (“cidade”, em grego) ao final de nomes. Petrópolis é a cidade de Pedro, Teresópolis, a de Teresa. Suazilândia é a terra dos suázis – mas, recentemente, o país mudou de nome para Essuatíni, que significa justamente “terra dos suázis” na língua local.

“A forma “-stão” deriva de uma antiga raiz linguística indo-europeia. Esse sufixo carregava a ideia de ‘parar’ ou ‘permanecer’ e deu origem, por exemplo, aos verbos stare, em latim, e stand, em inglês”, diz o lingüista Mário Ferreira, da Universidade de São Paulo (USP).

Do stare latino, inclusive, vem o verbo “estar” em português. Ou seja: pensando na raiz etimológica da coisa, você pode traduzir os nomes desses países, ao pé da letra, como “onde estão os afegãos”, “onde estão os cazaques” e assim por diante.

A única exceção a essa regra é o caso do Paquistão, batizado cerca de 20 anos antes de o território do país ser constituído, em 1947. “Rahmat Ali, o idealizador da independência paquistanesa, juntou ao termo “-istão” o vocábulo “paki”, surgido a partir de uma combinação das iniciais das áreas reivindicadas pela futura nação. O “p” representava a província do Punjab, enquanto o “k” equivalia à região da Caxemira, no noroeste da Índia, afirma Mário.

Note que os nomes de países islâmicos localizados no Oriente Médio e no norte da África não carregam o sufixo "istão". Ali, a língua predominante é o árabe, que não possui raízes indo-europeias – ele pertence a outro tronco, o semítico, compartilhado com o hebraico e o aramaico.

REVISTA SUPERINTERESSANTE

quinta-feira, 26 de março de 2020

Quarentena e quaresma


Hélio Consolaro*

Duas palavras que têm como significado o numeral 40. Estamos na Quaresma, que veio do latim, da palavra “quadragésima”, período litúrgico que antecede a Quaresma na Igreja Católica. Estamos nele.

Já quarentena veio do francês, “quarantaine”: isolamento de quarenta dias imposto aos doentes para evitar a disseminação de doenças contagiosas. No Brasil, havia a quarentena da parturiente, 40 dias sem sexo após o parto da mulher.

Com a nossa modernidade líquida, termo usado pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman, onde tudo é volátil, sem consistência e passageiro, fizeram da simples gripe, coronavírus, uma bomba atômica, a palavra “quarentena” é usada como sinônimo de isolamento imposto ao doente, sem necessidade de ser 40 dias. A palavra está em mutação.

Há gente que diz que na Quaresma se faz uma quarenta espiritual, uma espécie de retiro.

Em português, a palavra coronavírus deve ser acentuada.  

Hélio Consolaro é professor de Português

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Endemia, epidemia e pandemia


Hélio Consolaro*

Vamos entender as palavras dessa nossa época apocalíptica. O radical -demia significa “povo”, “demo”. Desse mesmo radical vem democracia, mas nada tem a ver com demônio; em termos médicos, significa uma doença que atinge toda uma população.

Quando coronavírus ainda era uma epidemia na China, significava que a doença pertencia a um país, estava em alta entre os chineses. Este é o sentido de “epi-“.  

A Organização Mundial da Saúde, órgão da ONU, demorou para rotular a doença de “pandemia”, somente quando ela atingiu a Europa. O sufixo “pan” significa “todo o possível, todo”, como nos Jogos Panamericanos, todos os países americanos. Se o coronavírus foi classificado como pandemia é porque havia tomado grande parte do mundo. Doença com caráter global.

Mas há também a “endemia”, com o prefixo “en-“ que significa “interior”, doença do próprio lugar, faz parte da região, como a malária na Amazônia; mas isso não quer dizer que não precisa ser combatida.   

Hélio Consolaro é professor de Português

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