quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Ambiente de leitura

Sala de leitura da EMEB Hélen Margot de Assis - Araçatuba-SP
Hélio Consolaro*

A Prefeitura de Araçatuba, via Secretaria Municipal de Educação, criou nas EMEBs salas de leitura, cheias de almofadas, pufes, etc. Um ambiente gostoso, convidativo a preguiçosamente pegar um livro. Beatriz Nogueira, secretária e professora de Português, se empenha nesse projeto.

Sem querer pôr gosto ruim na grande iniciativa, exerço o meu papel de “advogado do diabo”. Quando todos batem palmas ou criticam, faço a pergunta ao contrário para descobrir o outro lado. Característica de libriano. Então, a pergunta: para ler, precisa ter ambiente especial?

José Mindlin, bibliófilo juramentado, falecido recentemente, com posses para ter um motorista particular, dizia que adorava engarrafamento, pois assim lia livros enquanto esperava o trânsito fluir. Certamente, o carro oferecia todo conforto, inclusive ar condicionado.

Sem desvalorizar o amor que o empresário tinha pelo livro, valorizo mais aquela pessoa simples que lê no ônibus ou no metrô. Com toda a realidade contra, ela está agarrada ao livro, mesmo que seja de autoajuda, não importa. Ler é um exercício que vale por si mesmo, porque formata o cérebro para a escrita, desenvolve o raciocínio lógico.

Dizem que os habitantes de regiões frias, como a Europa, lêem mais, porque em certas épocas do ano, a neve e o clima gélido só dão opção para a leitura. Como ler num país calorento, onde se sua na sombra? Não há clima favorável. Não somos frutos apenas das circunstâncias, mas elas influenciam significativamente em nosso comportamento.     

As atitudes passam mensagens subliminares. Montar uma sala especial de leitura na escola, toda confortável, não está passando à criança que na sua casa não há um clima de leitura? Que leitura é coisa de grã-fino, gente bem de vida? Se para ler, precisa-se de almofadas e pufes, como dizer à criança que a leitura não ocupa espaço, pode ser feita no ônibus ou no ponto de ônibus, na sala de espera do consultório, no banheiro, na cama, etc.  Outro dia, numa visita hospitalar, a cuidadora do doente lia um livro enquanto o doente dormia. Nós sabemos que tempo é questão de prioridade, e há gente que lê nos desvãos das horas.

Não posso passar à criança a informação de que é preciso ter um espaço confortável para começar a ler, nem que leitura seja privilégio de grã-fino e restrita a livros, mas podemos ler jornais, revistas, e-books, etc. Veja como minha pergunta ao contrário cutucou a questão de ter salas especiais de leitura.

Não estou aqui destruindo a iniciativa, apenas mostrando que tudo tem o outro lado, basta fazer a pergunta ao contrário.  Não podemos ter uma postura elitista ao ensinar a leitura, achar que poucos são escolhidos, ela está reservada aos iluminados.

Pelo sim ou pelo não, nem sei se estou certo, aplaudo a iniciativa das salas de leitura, pois demonstra uma preocupação com problema da leitura, mas ela traz em si o viés da intelectualidade brasileira.


Reportagem completa: clique aqui

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. 

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