domingo, 14 de novembro de 2010

Analfabeto funcional e a política

Hélio Consolaro*

O presidente do Tribunal Eleitoral de São Paulo contou que Francisco Oliveira Silva, mais conhecido como palhaço Tiririca, teve êxito nos testes efetuados. Tiririca fez um ditado cujo tema era Justiça Eleitoral e leu uma notícia de jornal.

Se ouvirmos a população sobre o analfabeto, iremos ouvir tributos negativos e positivos. Negativos: ignorantes, dependentes, cegos, sofredores, coitados e alienados. Positivos: cidadão, sabedoria, também são filhos de Deus, etc. Os negativos são predominantes.
Sobre as causas, há variantes. Um grupo vincula o analfabetismo à exclusão social, à pobreza e à fome, à dominação de classe e à ausência de direitos. Um outro grupo relaciona o analfabetismo ao preconceito e à discriminação.
“No Brasil, durante o Período Colonial e o Império, enquanto a sociedade agrária estava imersa na oralidade, a condição de analfabeto era compartilhada por escravos e senhores, elites e grupos populares, e não era vista como um atributo negativo.”  Essa negatividade veio com o positivismo que era a ideologia dos republicanos e, mais atualmente, pela sociedade do conhecimento que exige mais preparo profissional para entrar no mercado de trabalho. Hoje, o analfabetismo está na base da pirâmide social.
O jovem ou adulto que não sabe ler nem escrever não é incapaz, não é “puro” ou ingênuo, nem é uma criança crescida. Nem tampouco está nas trevas. O analfabeto produz riqueza material e cultural e se insere na sociedade atual em atividades que exigem apenas a oralidade, como: palhaço de circo, religioso, jogador de futebol, etc.
O presidente Lula, a exemplo de Tiririca, foi perseguido pelos “ilustrados” por ter apenas o ginásio incompleto. Ele disse que a perseguição política feita ao deputado mais votado do Brasil é uma cretinice. Por quê? Porque, se levar em consideração os padrões modernos de letramento, segundo o Instituto Paulo Montenegro (do Ibope), que discute a educação no Brasil, 70% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Se o Tiririca é um artista de sucesso e conseguiu uma votação estrondosa na última eleição, superando muitos doutores (ph.D.), isso demonstra sua cidadania de leitura da realidade. Ser alfabetizado não é apenas decodificar mecanicamente signos, no caso, letras. Assim mesmo, ele provou ao TRE de São Paulo que tem escolaridade para ler textos com certa complexidade.
Não se faz aqui uma apologia ao analfabetismo, apenas chamar a atenção dos leitores, dizendo que o tema é complexo, não pode ser tratado de forma simplória e preconceituosa.
O livro “Preconceito contra o analfabeto”, das professoras Maria Clara Di Pierro (USP) e Ana Maria Galvão (UFMG), publicado pela editora Cortez, merece ser lido para quem quiser pesquisar o assunto. Outra fonte é o site do Instituto Paulo Montenegro: http://www.ipm.org.br

Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba.

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