segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Querem cassar o Pedrinho

Hélio Consolaro*


Toda vez que há triagem, censura, tutela, corre-se o risco de alguma coisa ser proibida. A educação de uma criança que devia ser feita sob a égide da liberdade, infelizmente, ainda, tem como método a proibição: não se poder fazer isso, nem aquilo.

A censura existe, até de si sobre si mesmo: a autocensura. Quando se fala de valores, alguém será excluído. A ausência dela seria o anarquismo. Condenável é quando ela é exercida pelo Estado sobre os cidadãos, como forma de cerceamento da liberdade individual.

Assim está ocorrendo com “As caçadas de Pedrinho”. Se o Conselho Nacional de Educação adotasse o “laisse-faire”, os conservadores se escandalizariam, como já ocorreu com outros livros em épocas recentes. Se é cuidadoso, criterioso, interfere, é acusado de arbitrário e autoritário pelos mais liberais.

A obra de Monteiro Lobato virou ré por denúncia de um cidadão de Brasília, e a Câmara de Educação Básica do Conselho instalou processo, opinou pela exclusão do livro do Programa Nacional Biblioteca na Escola.

Na melhor das hipóteses, a editora deverá incluir uma “nota explicativa” nas passagens incriminadas de “preconceitos, estereótipos ou doutrinações”. O Conselho recomenda que entrem no índex “todas as obras literárias que se encontrem em situação semelhante”. Isso me cheira a Idade Média.

A notícia deixou muita gente revoltada porque Monteiro Lobato é um ícone da literatura infanto-juvenil do Brasil. O livro foi escrito em 1933, numa época em que não havia as preocupações atuais com a questão do preconceito. Não é possível negar a nossos filhos que houve a escravidão negra no Brasil.  

Trechos de “As Caçadas de Pedrinho” considerados preconceituosos pelo CNE:
1) “...Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro...”
2) “Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia, que tem carne preta.”
3)” — Imbecil! — resmungou a capivara, furiosa de tamanha asneira. — Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. “
4) E aves, desde o negro urubu fedorento, até essa jóia de asas que se chama beija-flor.”
Não podemos negar que tais frases contêm racismo, mas elas não foram escritas agora. Será uma ótima oportunidade para o professor debater o assunto com os alunos leitores. Naquela época, não havia o politicamente correto, e a intelectualidade brasileira era muito preconceituosa.

Não tenho simpatia pelos herdeiros de Monteiro Lobato, que vivem dos direitos autorais do escritor e controlam isso com voracidade, mas vetar o livro seria uma injustiça. A pequenez dos componentes de tal conselho não pode fazer sombra à grandeza do mestre.

Porque caçar hoje é proibido, estão querendo cassar o Pedrinho. Os tempos mudaram. Expliquemos isso às nossas crianças.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura.
  

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