sábado, 30 de julho de 2011

Os caminhões querem ser trem


Hélio Consolaro*

Difícil encontrar alguém que ainda não tenha presenciado pelo menos uma manobra irresponsável de motoristas dos gigantescos caminhões canavieiros como aquele que cruzou a rodovia e atingiu a van, matando dez dos onze passageiros, inclusive um bebê de cinco meses.Editorial da Folha da Região, Araçatuba.

Nesse mês de julho, fomos tomados por três vocábulos novos: bitrens e treminhões, mas há outro para designar o mesmo objeto: rodotrem. Apenas o Aulete on-line registra  “rodotrem”: tipo de veículo rodoviário, de grande extensão, semelhante a um trem.

O editorialista certamente pensou em empregar “treminhões”, mas foi ao dicionário e não encontrou a palavra, a substituiu por “gigantescos caminhões”, se furtou de usar o neologismo (palavra nova). Ele podia tê-la usado, na dúvida, entre aspas. Os dicionários não se renovam com tanta rapidez, portanto não se encontra tudo neles. O editorialista não errou, foi bastante cauteloso.  
Treminhão canavieiro

No Brasil, numa política iniciada pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, desenvolveram-se as rodovias em detrimentos das ferrovias. Por ironia, hoje os caminhões querem ser trem.

Nessa região Noroeste Paulista, onde predominam canaviais, encontramos pelas estradas, asfaltadas ou não, muitos treminhões, com até três vagões (ou carrocerias), puxadas por uma cabine de caminhão. E não só transportam o produto cana-de-açúcar, mas há treminhões basculantes, e outros usados para o transporte de  combustível, etc.

Esse novo veículo está provocando acidentes, pois os motoristas não estão acostumados com eles (ou não têm habilitação específica), os demais veículos não estão sabendo conviver com essa nova realidade e nem as estradas foram feitas levando em consideração a existência dos treminhões.

Também na realidade linguística, tais novidades provocaram o estranhamento, pois surgiram neologismos para designar tais veículos. Ainda bem que todos eles usaram mecanismos do próprio idioma português para criar os termos, sem apelar para o estrangeirismo.
Treminhão australiano
 RODOTREM: palavra composta, dois radicais. “Rod-” + trem (comboio). Embora os dois tenham rodas (significado do radical “rod”), esse radical tem o uso reservado para veículos que usam  estradas de terra ou asfaltada. Rodotrem é um motor com cabine que puxa dois ou três vagões. Esse processo de formação de palavra se chama “composição por justaposição”.

TREMINHÃO: forma mais criativa. Pegou “trem” e o final de “caminhão”, como se o objeto fosse uma mistura de trem com caminhão, surgindo um terceiro elemento: treminhão. “Caminhão” ao se juntar com trem perdeu uma sílaba, e “trem” perdeu a letra “m”, que na verdade era índice de nasalização, formando um ditongo com “e”: tendo como pronúncia [trei]. Esse processo de formação, quando há perdas, se chama “composição por aglutinação”.

BITREM: é a forma mais incoerente. Usou o prefixo “bi” junto a “trem”, como se houvesse dois trens e ignorou o caminhão. Trata-se de uma palavra derivada. Se fosse levar a hipótese de que “bi” se referia aos dois vagões, também não há sustentação, porque há treminhões com três carrocerias.

Particularmente, gosto do vocábulo “treminhão”, porque é popular e coerente. A junção entre o trem e o caminhão que ocorreu na realidade aparece na formação da palavra. “Rodotrem” tem uma formação mais técnica.

Não consiste erro usar “neologismos”. Bem que o editorialista poderia ter sido mais ousado.    

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Possi cinco livros publicados. Membro da Academia Araçatubense de Letras e da UBE.

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