Houve reportagens a respeito há algum tempo. Os repórteres fizeram uma experiência: entrevistou alguns dos escritores, cujos textos foram usados em recentes provas, e pediu que resolvessem questões de entendimento e interpretação de seus próprios textos. E eles mesmos ficaram surpresos, pois erraram muitas questões, porque as respostas não estavam de acordo com os gabaritos. Isso é possível? Pelo menos explicável?
Um texto pode ser lido nas linhas, nas entrelinhas e por trás das linhas. Veja o poema “No Meio do Caminho”, de Carlos Drummond de Andrade:
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Numa leitura feita “na linha”, entende-se que havia uma estrada e no meio dela uma pedra atrapalhando a passagem. Já “nas entrelinhas”, leia-se caminho como desejo e pedra seria um obstáculo. “Por trás das linhas”, o poema é uma paródia de soneto de Olavo Bilac, Nel Mezzo del Camin. Drummond ironizou nele o Parnasianismo, estética literária que privilegia demasiadamente a forma.
Eis aqui o poema “Nel Mezzo del Camin”, parodiado por Drummond:
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.
Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.
Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
A partir do momento em que se escreve um texto literário, o autor não tem mais domínio sobre a interpretação dele. Com fundamentação, sem achismo, podem-se fazer leituras inesperadas de um texto.
Sobre minhas crônicas, houve leitor que viu coisas que conscientemente não desejei escrever nelas, mas voltando à leitura delas, descobri que era possível aquela interpretação.
Não quero justificar erros de bancas examinadoras, mas autor errar perguntas de interpretação de seus próprios textos não é tão absurdo assim.
*Hélio Consolaro é professor, escritor, membro da Academia Araçatubense de Letras.
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