terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Bartô


Por Marcílio Godoi -Revista Língua Portuguesa - Editora Segmento - novembro de 2013

"A primeira letra de minha intimidade foi o y da galinha. Nunca me conformei em escrever galinha sem y. Do x da questão vim a saber mais tarde, nos suspensórios da calça. Sem medo de ter medo, mas apaixonado por coração, eu vistoriava o fundo da panela com molho e comia, por último, o coração do frango. Coração deixa menino medroso, dizia meu pai."
(Trecho de Ler, escrever e fazer conta de cabeça, de Bartolomeu Campos de Queiroz)
Papagaios, Minas Gerais, na década de 1940, tinha a famosa vida besta do poema "Cidadezinha qualquer", de Drummond, em que todos vão devagar, até o olhar das janelas. Numa delas, surgiram dois olhos assustados de um menino que não se sentia propriamente convidado pela vida, dois olhinhos espantados com a grandeza deste mundo.

Pois bem, esse olhar cresceu e virou um olhar atento, maduro, olhar de educador, de humanista. Mas, aos poucos, esses olhos também foram servindo como uma espécie de câmera em que um narrador-menino nos convida a percorrer com ele os corredores e as estradinhas de suas memórias mais sutis.

Foi assim que Bartolomeu Campos de Queiroz (1944-2012), Bartô para os íntimos, foi tecendo, livro a livro, uma obra de carga afetiva e poética que lhe rendeu prêmios. Sua literatura, dita infantojuvenil, mas que toca a todos, é repleta de imagens como um quadrado de sol desenhado pela janela no chão já bordado pela sombra da sianinha do telhado. Vem de um barulho da palha do colchão, da caixa de desmazelos sobre a mesa. É inesgotável em seu jogo-escrita genial: achar maravilhas no que há de mais simples.

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