Arnaldo Niskier
No debate em torno de uma
conferência, na "Semana de Arte" promovida pela Secretaria de Estado de
Educação do Rio de Janeiro, no píer Mauá, um aluno do interior
perguntou se deveríamos condenar a linguagem popular, "pois esse pessoal
fala de forma inadequada".
Primeiro, tivemos que esclarecer a
diferença entre linguagem popular e regionalismos. Os termos utilizados
por escritores como Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, José Cândido de
Carvalho, João Ubaldo Ribeiro, Jorge Amado e Dias Gomes, para só ficar
nesses exemplos, são típicos da cultura local, que deve sempre ser
respeitada. As expressões, apesar de inovadoras, podem vir a figurar em
dicionários e vocabulários de transmissão da norma culta ou padrão, sem
nenhuma dificuldade. Os regionalismos são sempre aceitos.
Em
segundo lugar, temos a questão controvertida da chamada linguagem
popular. O filólogo Antônio Houaiss chegou a popularizar o verbete
"mengo". dimimitivo do clube mais popular do Brasil. Mas ele jamais
aceitaria adotar a palavra "pobrema" ou "aroporto" - e dar-lhes o status de uma expressão legítima do português contemporâneo.
Vê-se,
pois, que há uma abissal diferença entre linguagem popular e
regionalismos. A prosódia, que é a forma de dizer a palavra, tem total
liberdade, não se devendo exigir que um gaúcho fale com a mesma
pronúncia do que um paraense. Ou que, em virtude do Acordo de Unificação
da Língua Portuguesa, que é eminentemente ortográfico, passemos a impor
a Portugal ou Angola, por exemplo, o nosso gostoso e incomparável
sotaque. Cada povo que cuide das suas peculiaridades prosódicas. Mas
escrever de uma só forma é medida de inteligência e simplificação, que
já vem tarde.
O Museu da Língua Portuguesa, de São Paulo,
realizou uma interessante e concorrida mostra, intitulada "Menas - o
certo do errado, o errado do certo", em que todas essas questões foram
debatidas por professores e especialistas. E claro que o ex-presidente
Lula foi muito lembrado, pois no início do seu primeiro mandato
presidencial era comum utilizar a palavra "menas". Foi devidamente
aconselhado e abandonou o hábito.
Voltou à tona o "caso Jânio
Quadros", quando se atribuiu ao ex-presidente que renunciou a expressão
"Fi-lo porque qui-lo". Uma vez, em sua residência, após a renúncia, num
papo agradável, tivemos o ensejo de perguntar sobre isso. Sua resposta
foi peremptória: "Senhor professor, eu nunca disse isso. Foi invenção da
imprensa. A frase certa (e que eu disse) foi "Fi-lo porque quis."
Quando essas coisas se entranham e são exploradas politicamente, o que
fazer? Procurei sempre esclarecer o assunto, sem muito êxito."
Os puristas, especialmente os
gramáticos, condenam esses equívocos, tipo "ela está drumindo" ou "o
incêndio me trouxe perca total". São frutos da linguagem coloquial, que
se admite na fala, mas se condena na escrita.
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